segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O massacre da tarja preta

É um massacre da tarja preta contra crianças e adolescentes brasileiros, levados a tomar desnecessariamente remédios para supostos distúrbios psicológicos. Esta intoxicação tem respaldo de médicos, psicólogos, pais e professores.
                                                                 Adams carvalho
Em maio de 2011 a Folha de são Paulo publicou a descoberta de psiquiatras e neurologistas da USP, Unicamp e do Albert Einsten College of  Medicine (EUA): 75% das crianças e adolescentes brasileiros que usam medicamentos tarja preta foram diagnosticados erroneamente como portadores do chamado TDAH (Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade). A pesquisa foi apresentada no final de maio durante congresso na Alemanha.

Este abuso bioquímico para controlar atitudes de crianças e adolescentes revela como os adultos têm dificuldade de entender e lidar com as novas gerações e até entende o mundo em que vivemos.

Vivi-se num ritmo hiperativo d produção e disseminação de conhecimento. Por conta das redes digitais, as crianças e os adolescentes já nascem conectados  e com um pé no mundo. São bombardeados por informações e se sentem aptos a compartilhar e interferir sobre o que veem, ouvem ou sentem. Na era das mídias sociais, todos somos, em certo grau, comunicadores lidando simultaneamente com uma multiplicidade de dados e estímulos,

Saiu recentemente um livro intitulado "Blur" (desfocado em inglês) escrito por Bill Novak, ex-jornalista do "New York" e diretor de um centro de estudos de jornalismo em Harvard, em que se afirma o seguinte: "Em tês anos se produziu no século 21 mais do que nos últimos 300 mil anos."

É nesses ambiente que as crianças nascem e são treinadas, quase desde o berço, a jogar videogames cada vez mais velozes e complexos, o que, para muitos cientistas, desenvolve as habilidades cognitivas.

Esse universo hiperativo  do virtual valoriza o presente, o agora, o já, tudo imediato, e se esvai com a velocidade de um novo aplicativo. Muito mais difícil ensinar coisas que não têm sentido imediato e que envolvem complexidades.

Existem até novas reações cerebrais Mas tanta luminosidade das máquinas acaba gerando problemas. Existem evidências científicas mostrando que ficar de noite na frente da luz do computador atrapalha o sono, mexendo nos hormônios. O relógio biológico da adolescência já é naturalmente diferente; o computador está tornando acordar cedo ainda mais complicado.

Por que um estudante acostumado com a interatividade e compartilhamento de informações, ficará tranquilo numa sala de aula com baixa interatividade, ouvindo o professor despejar conteúdos que não lhe fazem sentido?

Interessante que o Conselho Nacional de Educação tenha lançado, recentemente, novas diretrizes para que o ensino médio seja estruturado em quatro eixos: cultura, ciência, tecnologia e trabalho. Além disso, parte das aulas pode ser dada a distância.
É um ensaio de ruptura com o obsoleto. Lembremos que a escola como conhecemos foi criada exatamente no tempo das chaminés, mirando-se na estrutura das indústrias, compartimentalizadas em departamentos separados. Até a sirene veio dali.  O que se discute hoje é até que ponto os sistemas de avaliação, evidentemente necessários, não estão baseados na era da chaminé.

Até as universidades mais sofisticadas do mundo estão mudando suas práticas para cultivar seus alunos, estimulando mais a experimentação, montagem de projetos e trabalho em equipe. São desenvolvidos laboratórios apenas para desenvolver o empreendedorismo. Não são poucos os ícones da inovação que não conseguiram acabar seus curso como Steve Jobs, falecido recentemente, Paul Allen, Mark Zuckerberg, e por aí vai.

Minha suspeita é de que essa medicação de tarja preta não seja uma solução para tratar um problema que, em muitos casos, é real, mas sim para colocar a disciplina acima da criatividade.

Como dizia Einstein, apontado como portador de distúrbio de atenção, para quem educar é estimular a imaginação ("mais importante do que o conhecimento é a imaginação"), loucura é fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes. Quem sabe se ele nascesse hoje não seria mais um medicado com tarja preta.

Fonte: Gilberto Dimenstein - Folha de São Paulo -08/05/2011





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